Lucidez

Pobre estojo. Fico paralisada ao vê-lo ali, em cima da mesa, metade posta para o almoço, metade improvisada para os estudos do meu filho. Nunca saiu de casa. Não sacolejou com a mochila, não caiu no chão da escola, não sentiu o cheiro da sala de aula na hora da merenda. Tempos sombrios. Não se sujou, não emprestou nada do que guarda, nunca viu a professora por inteiro. Se sua função é transportar objetos pra lá e pra cá, não tem mais motivo para existir. Vida de merda. Sinto o cheiro de queimado. As panelas no fogão, a casa do avesso, o menino catatônico, Galinha Pintadinha em repetição. Sirvo o prato, chamo, grito, apresso. Aula online, desliga a televisão. Criança chora. Perdida, exausta. Pede que não. Eu, devastada. Sem reação. Respiro. Por sorte a mente ainda guarda alguma sensatez. Empatia talvez. Penso nele. Me coloco em seu lugar. Me comovo.

Pobre estojo. Eu penso. Pobre estojo.

Desafio jul003 // Escrever uma crônica a partir de um objeto: um estojo.

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